A economia mundial vive um momento em que qualquer evento inesperado tem o potencial de aumentar a volatilidade e a incerteza nos mercados financeiros. A crise da Ucrânia entrou no patamar dos fatos que afetam a economia quando deixou de ser a derrubada de um governo impopular para ser uma crise militar entre a Rússia e os Estados Unidos.
A Rússia foi colocada nos últimos anos no grupo dos países emergentes. Nada mais inadequado. É, na verdade, um país que submergiu depois de ter sido a segunda potência mundial e ter visto o antigo projeto soviético se esfacelar. Do velho mundo comunista ficou o temperamento do líder Vladimir Putin, ex-chefe da KGB, a inclinação de ocupação territorial e, mais importante, um arsenal militar e nuclear não totalmente desmontado.
Nas últimas horas, o mundo viveu a estranha sensação de entrar no túnel do tempo e ver cenas, ou ler trocas de notas agressivas entre Rússia, Estados Unidos e G-7, que lembram a guerra fria. O momento atual é bem outro. Os Estados Unidos perderam a hegemonia econômica, diante da força de outros países, como a China; o G-7 há muito deixou de ser o grupo dos países poderosos; a Rússia estava se desarmando e destruindo suas ogivas nucleares com a ajuda dos Estados Unidos. O ar bélico das notas sobre as ameaças russas na Crimeia mais parece um filme de época; ou fora de época. É um retrocesso de fato assustador.
O “Financial Times" definiu como “a segunda guerra fria”, mas nem isso é apropriado. Nada do que está acontecendo parece servir para o mundo de hoje. Seja como for, isso está mexendo com os mercados, derrubando ações, o valor de moedas. Ontem, a bolsa americana, que havia atingido níveis recordes na semana passada, caiu depois de quedas fortes nos mercados europeu e asiático. Por mais irreal que possa parecer, a crise tem um potencial desorganizador enorme. O jornal inglês define os fatos como sendo a “efetiva anexação da Crimeia pela Rússia" e diz que, para a Europa, é “a mais perigosa crise desde o fim da guerra fria”.
Vladimir Putin nunca escondeu seus sonhos de que o país voltasse a ter pelo menos parte do poder que já teve. Na invasão russa da Geórgia em 2008, os Estados Unidos ameaçaram o país de expulsão do G-8 e a ameaça não foi cumprida. A Crimeia, como a Abcásia e a Ossétia do Sul, tem maioria de habitantes identificados com a Rússia.
Entre os habitantes da Península da Crimeia e da região de Donetsk, mais de 60% falam russo como primeira língua. Eles são 29,6% dos ucranianos ou 14 milhões de pessoas. A vasta maioria do país, 67,5% ou 33 milhões de pessoas, tem como língua nativa o ucraniano. O resto é de outras minorias. A Ucrânia é fundamental para o escoamento do gás da Rússia. E o gás da Rússia é parte substancial do abastecimento energético da Europa.
Por outro lado, a Rússia tem várias fragilidades econômicas e tem sofrido a saída de dólares, fato que está se agravando nos últimos dias. A bolsa russa despencou quase 11%, e o rublo já se desvalorizou 10% este ano, obrigando o governo a subir os juros em um e meio ponto percentual. Essa reação é uma demonstração de que a economia comandada por Putin está longe de ser o que ele gostaria que fosse. Se é um país do qual a Europa depende de suprimento de gás, é também um país que ficaria fragilizado caso os Estados Unidos colocassem em prática a ameaça de sanções econômicas. O “Financial Times" acha que o temor de que sejam congelados os ativos da oligarquia russa no Ocidente pode fazer Putin pensar duas vezes.
Mas, na verdade, todos os governantes têm que pensar duas vezes nos tempos atuais em que, mais do que nunca, a volatilidade de todos os ativos é sempre a resposta a qualquer aumento da tensão. O franco suíço chegou ao seu mais alto valor em 14 meses diante do euro. As commodities, como milho e trigo, subiram; o ouro teve alta rápida e a cotação do petróleo também se elevou, após a movimentação militar russa na Ucrânia. Os analistas econômicos começaram a considerar que a crise é uma ameaça de enfraquecimento do frágil movimento de recuperação da economia mundial. Outro efeito é aumentar nos investidores a aversão ao risco, o que sempre acaba batendo em todos os mercados com maiores fraquezas.
http://oglobo.globo.com/economia/miriam/
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