Gabriel Ivan nasceu no Porto Velho, Rondônia, e achava que a sua vida
profissional passaria pela educação física, disciplina que cursou até ao
quinto ano, altura em que percebeu “que não seria feliz”. Foi aí que
decidiu fazer de uma brincadeira, que começou aos 15 anos, quando a mãe
lhe ofereceu uma câmera boliviana, a sua verdadeira forma de vida. Hoje é
fotógrafo profissional e autor de um dos registros mais intensos das
etnias indígenas do sul do Amazonas.
A história de Gabriel na rodovia Transamazônica começa com o caso que
abalou a região no final de 2013 e início deste ano. Cinco índios da
etnia Tenharim foram acusados do assassinato de três homens
não-indígenas desaparecidos no local, alegadamente por vingança pela
morte do cacique Ivan Tenharim. No entanto, a tensão na região não é
nova e vem desde a construção da rodovia, proclamada como um sinal de
progresso do Brasil na década de 70, e que atravessa a terra habitada
pelo povo Tenharim.
A ferida aberta nessa época jamais foi sarada e a recente morte dos três
homens, quando atravessavam a reserva Tenharim na Transamazônica,
reacendeu o rastilho. Os ataques aos indígenas se sucederam, com casas
destruídas e famílias obrigadas a procurar refúgio fora das suas terras.
A convite da Mídia Ninja, Gabriel Ivan fez quatro viagens até Humaitá,
que resultaram em um contato direto com as pessoas e com “a diversidade
presente na região: todos os costumes, as crenças e as múltiplas
habilidades dos indígenas”. O Hypeness foi falar com ele sobre o
projeto, a vida destes povos e os desafios que eles enfrentam. Venha
conhecer “A Última Trincheira”.
Hypeness (H) – Qual foi o maior desafio de fotografar no sul do Amazonas?
Gabriel Ivan (GI) – O maior desafio na região foi a resistência
da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que transitava e se fazia presente
em todos os pontos da Transamazônica, por conta das investigações
realizadas naquele momento. Não tive nenhum problema em fotografar
dentro das aldeias, pelo contrário, fui sempre muito bem recebido em
todas pelas quais transitei. Chegamos a dormir, tomar banho e se
alimentar em algumas delas, especialmente as aldeias dos Tenharim
Marmelo e Trairí.
(H) – A ideia era retratar a realidade em que os Tenharim vivem, para lá do conflito?
(GI) – Sim, eu busquei a todo o instante retratar o cotidiano no
qual eles vivem, porém o clima naquele momento era outro, diria
diferente. Muitos ainda sofriam com o trauma das invasões (especialmente
as crianças), alguns ainda estavam doentes ou machucadas, por conta de
terem se jogado na floresta no momento dos ataques. Eu precisava
retratar isso, mas tinha consciência de que deveria existir uma linha
tênue neste processo. Os Tenharim são uma etnia extremamente sorridente,
alegre e simpática, e eu também tinha obrigação de transpor isso,
independente do momento ali vivido.
O meu maior objetivo em fotografar essas duas etnias era a ânsia de
poder retratar uma das culturas mais lindas e exóticas que existe em
nosso país e que, na maioria das vezes, não é vista ou exposta. Existe
um Brasil profundo nas bordas dessa imensidão – as aldeias no sul do
Amazonas são uma confirmação disso.
(H) – O que mais o impressiona nesse Brasil profundo?
(GI) – Sem sombra de dúvidas, a diversidade, todos os costumes, crenças e as múltiplas habilidades dos indígenas.
(H) – Como gostaria que essas pessoas fossem vistas?
(GI) – Gostaria que elas fossem respeitadas de fato como
pioneiras, como ‘pastoras’ daquela terra. Todas as etnias existentes no
sul do Amazonas resistem, ano após ano, ao avanço dos madeireiros e dos
fazendeiros. A última trincheira resiste com braveza. O Governo
Brasileiro deve olhar com mais carinho para eles.
(H) – De que forma você encara o conflito e a cultura anti-indígena que se vive na região? Sentiu isso nas viagens para Humaitá?
(GI) – O conflito foi o estouro de uma bomba-relógio. Podemos
dizer que o estouro dessa bomba era uma questão de tempo. Não é de hoje
que homens brancos ameaçam e desrespeitam os índios na região. Após
alguns diálogos com eles, descobri que isso já se estende por mais de 6
anos, desde o início da tão questionável ‘compensação’ (ou,
simplesmente, pedágio) imposta pelos índios na Transamazônica. A cultura
anti-indígena não existe somente no Amazonas, e sim em todo o País,
infelizmente. Como exemplo, podemos assinalar os índios maranhenses e os
índios de Mato Grosso, etnias que lutam e resistem até hoje por
imposições do governo, do povo e da má formação de história cultural
brasileira que hoje temos nas escolas e em nossos lares.
(H) – Como se deu o contato com a outra etnia que fotografou, os índios Pirahã?
(GI) – Foi curiosa a forma como nos cruzamos com os índios
Pirahã. Estávamos na nossa última viagem para as aldeias Tenharim na
Transamazônica – viajávamos sempre de Porto Velho para Humaitá,
dormíamos na cidade e, sempre pela manhã, seguíamos para as aldeias.
Nesta última ida, encontramos no meio do caminho um grupo de índios
Pirahã por baixo de uma ponte. Tivemos a sorte de, nessa ocasião em
especial, estarmos sendo conduzidos por um motorista que era ex
funcionário da Funai [Fundação Nacional do Índio] na cidade, então o
diálogo e o contato foi imediato e articulado pelo mesmo. Tivemos um
contato super rápido com os Pirahã, nada mais do que em torno de 20
minutos, sendo que os primeiros 10 minutos foram de conhecimento,
familiarização e estranhamento (de ambas as partes). Eu empunhava a
câmera no ombro, mas até então não a tinha sacado ou registrado qualquer
imagem. Só comecei a fotografar a partir do momento que o motorista
assinalou para mim, confirmando que estava liberado. Os Pirahãs disseram
“sim” e eu pude fazer uma das séries fotográficas mais importante e
memoráveis que fiz até hoje.
Fonte: Hypeness
http://www.mariapreta.org/2014/07/retratos-de-povos-indigenas-ao-sul-da.html
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