19/03/2016

'RESSURREIÇÃO' SE TRANSFORMA EM PREGAÇÃO


O longa, cujo roteiro é assinado pelo diretor e Paul Aiello, torna-se um filme de detetive.




Por Alysson Oliveira

“Ressurreição” é um filme com uma séria crise de identidade: é uma fantasia bíblica ao modo antigo ou um neo-noir pós-moderno situado na antiguidade?

Em qualquer uma das duas opções, o longa dirigido por Kevin Reynolds – cujo currículo inclui o rejeitado “Waterworld: O Segredo das Águas”- não funciona bem, porque não sabe o que gostaria de ser e tenta fingir que não é uma produção religiosa. Mas sua metade final, que mais parece uma missa, não nega os objetivos.

Distante de sua fama de “Shakespeare Apaixonado” (1998), Joseph Fiennes é Clavius, um militar romano designado para provar que Cristo – aqui chamado pelo nome hebreu Yeshua – está realmente morto, e não ressuscitado dos mortos, como insistem seus seguidores. O próprio protagonista viu não apenas a crucificação, mas também se certificou de que o corpo fosse colocado numa caverna fechada com uma pedra pesada amarrada e selada com cera.

Seguindo as ordens de Pôncio Pilatos (Peter Firth), Clavius começa a investigar o que aconteceu com o corpo depois de seu sumiço. O longa, cujo roteiro é assinado pelo diretor e Paul Aiello, torna-se um filme de detetive, com direito a um parceiro para o protagonista, na figura de Lucius (Tom Felton, também distante da fama da série “Harry Potter”), que mais o questiona do que ajuda.

Quando, finalmente, Clavius encontra Yeshua (Cliff Curtis) vivo, o filme se torna uma fantasia sobre a fé e o poder transformador desta. Quando ele vê o homem intacto e saudável conversando alegremente com seus discípulos, seu ceticismo é abalado. Reynolds imagina então a peregrinação de Jesus e seus companheiros tentando proteger sua nova vida, e, ao mesmo tempo, levando sua palavra a outros povos. Clavius, afinal, torna-se uma testemunha ocular disso tudo.

A grande questão do filme – se Cristo ressuscitou ou não – logo é resolvida, e o que havia de interessante vai embora junto com a dúvida. O que sobra são infindáveis minutos de pregação religiosa e uma piada misógina envolvendo o nome de Maria Madalena (María Botto) num vestiário cheio de soldados.

Aparentando um orçamento não muito generoso, “Ressurreição” conta com efeitos especiais grosseiros e um senso estético pouco apurado em sua cafonice que beira o kitsch – especialmente nas cenas finais envolvendo uma pescaria (uma metáfora para pescar peixes e novos fiéis) e a subida de Jesus de Nazaré aos céus.

O que o filme traz de diferente é um Cristo interpretado por um ator maori, contrariando a visão clássica dele louro e de olhos azuis. No fim, o que resta mesmo é aguardar pelo filme de Rodrigo García sobre os 40 dias de Cristo no deserto, protagonizado por Ewan McGregor – ou rever clássicos, como o belo “O Evangelho Segundo São Mateus” (64), do italiano Pier Paolo Pasolini.



Reuters


'RESSURREIÇÃO' SE TRANSFORMA EM PREGAÇÃO

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