Educadora do ensino fundamental dá aula em distrito de Ipameri, GO.
Cartinhas vão de pedido de casamento a agradecimento por lanche em sala.
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Guardadas em um armário comprado especialmente para elas, a professora Ana Célia dos Santos Oliveira, de 46 anos, tem mais de mil cartas que ganhou de seus alunos durante os 28 anos de profissão. Do primeiro registro, no ano de 1984, quando começou a carreira, até a mais recente declaração, recebida há cinco dias, a professora conta que já leu de tudo, desde pedidos de casamento, versinhos ritmados com as iniciais de seu nome, até agradecimentos por ganhar biscoitos em sala de aula.
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Professora das disciplinas de português e inglês, Ana Célia mora e ministra suas aulas para 25 alunos do 3º ano do ensino fundamental, na Escola Municipal Sebastião Lopes da Silva, em Domiciano Ribeiro, povoado com cerca de 5 mil habitantes, distrito do município de Ipameri, no sudeste de Goiás. Ela revela que já chegou a fazer 60 horas/semanais, para uma carga horária máxima de 40. “Nesta época, eu dava aula em todos os turnos. O intervalo era mínimo, e, mesmo assim, nunca pensei em desistir”, afirma. Após quase 30 anos de profissão, duas graduações - em pedagogia e em letras - e outras duas pós-graduações, a professora recebe pouco menos de R$ 2 mil.
A paixão por ensinar veio desde criança. “Eu brincava no quintal de dar aulas. Então, desde sempre vi que queria ser professora”, diz Ana Célia. Na época, família de Ana Célia não tinha condições para custear os estudos e pagar uma faculdade, que tinha de ser feita em Cristalina, cidade a cerca de 18 quilômetros de Ipameri. Mesmo assim, quando terminou de cursar a 4ª série - hoje 5º ano, ela foi ministrar aulas, a pedido de uma amiga, em uma escola da região.
“Eu não tinha como sair para estudar e, como queria ser professora, foi a oportunidade que tinha. Ter concluído a 4ª série naquela época já era suficiente, era muito, na verdade”, conta a professora. Além das duas graduações, ela também é pós-graduada em educação especial e em séries iniciais.
As cartinhas dos alunos surgiram de modo tímido. “Uma ou outra criança me entregava ou deixava na minha mesa. Eu tinha dó de jogar fora e ia colocando na bolsa para levar para casa, e, desde então, nunca joguei sequer uma carta fora”, conta Ana Célia. Para ela, era uma maneira de os alunos demonstrarem confiança e sentimento pela professora, como foi escrito por uma de suas alunas: “Te amo como se fosse minha mãe”.
Confiança
Ana Célia relembra a história de uma aluna novata que a fez acreditar ainda mais na relação de confiança entre professor e aluno: “Ela chegou e chorava muito. Eu fui até ela e disse: ‘Olha, quando você vem para a escola, a sua mãe passa a ser eu. Então, você pode confiar’. A menina, segundo a professora, respondeu de forma ríspida: “Você não é minha mãe”.
Ana Célia relembra a história de uma aluna novata que a fez acreditar ainda mais na relação de confiança entre professor e aluno: “Ela chegou e chorava muito. Eu fui até ela e disse: ‘Olha, quando você vem para a escola, a sua mãe passa a ser eu. Então, você pode confiar’. A menina, segundo a professora, respondeu de forma ríspida: “Você não é minha mãe”.
De acordo com Ana Célia, a aluna contou para mãe o que tinha acontecido em sala de aula. “Só que a mãe dela disse que ela podia confiar em mim e eu seria a mãe dela. Depois disso, ela se tornou meu braço-direito. Algumas vezes ela até se confundia e me chamava de mãe”, diverte-se.
Segundo Ana Célia, o conteúdo das cartas, que depois começaram a ser entregues frequentemente, é sempre uma surpresa. Devido ao volume, muitas só foram abertas bem depois de recebidas. Em uma delas, sem data, um aluno de 7 anos, na ocasião, escreveu: “Você é a melhor professora do mundo. Quando eu crescer, vou me casar com você”. Em outra, lê-se: “Gosto da senhora professora porque a senhora dá biscoito para gente”. E em mais uma carta o aluno agradece por ter, finalmente, aprendido inglês: “Obrigado, professora. Sem você, eu não saberia inglês. Nunca tinha visto uma professora assim como você. Você que me ensinou como se chama ‘amarelo’ em inglês. Obrigado mesmo”.
Muitos de seus alunos moram em fazendas nas proximidades da cidade e têm más condições financeiras. Para estudarem, é necessário acordar por volta das 5h e nem sempre conseguem levar a merenda para a aula: “Então, a gente chega umas 6h40 para arrumar o café da manhã para eles. Na hora do lanche, sempre tinha um ou outro que eu perguntava se não ia lanchar e eles me respondiam que não tinham levado. Por isso, comecei a levar os biscoitos e deixá-los guardados para a hora do lanche”, diz Ana Célia.
Volta e meia, segundo ela, ganha desses alunos, como forma de recompensa, alguns “mimos” da fazenda: “Outro dia ganhei um queijo fresquinho e, há um tempo, um frango já depenado e pronto para o preparo”, disse, dando risada.
Em todo esse tempo de profissão, o que não faltaram foram histórias marcantes para a professora Ana Célia. Hoje, ela é professora de muitos filhos de ex-alunas. “Às vezes, chamo uma de minhas alunas, que já dei aula para a mãe dela, pelo nome da mãe. E a mãe dela já me deu uma cartinha também. Um dia desses chamei as duas e disse para a filha: ‘Essa cartinha aqui foi sua mãe que me escreveu’. Foi tão bonito. Ela leu e chorou. Eu vi como se tivesse acontecendo tudo de novo”, disse.
TragédiaOutra cartinha que marcou a professora foi de uma aluna que morreu após ser atropelada por um ônibus. Segundo Ana Célia, há aproximadamente três anos, a menina tinha lhe escrito uma carta com a frase: “Eu gosto muito de você”. Aos 13 anos, no ano passado, ao ir de bicicleta para a escola, foi atropelada e morreu na hora.
Histórias de agradecimento e conquistas também orgulham a professora. Há cerca de três anos, um ex-aluno de Ana Célia fez uma homenagem à professora pela rádio da cidade e a convidou para participar da formatura dele no curso de enfermagem.
“Eu estava escutando a rádio e vi essa mensagem dizendo que ele era muito grato por eu ter sido a primeira professora dele e me chamando para a formatura. Eu fui à formatura e ainda levei uma faixa o elogiando também. Foi muito bonito. Ele se emocionou”, diz Ana Célia. Ela calcula que tem cerca de dez colegas de profissão que também já foram seus alunos. “Eu tenho até um amigo que hoje é promotor e foi meu aluno”, orgulha-se.
Para a professora, é inexplicável o sentimento que surge ao ler cada uma das cartas: “Eu acho um amor. Leio todas com amor. Gosto do que faço. É muito gratificante ver quando eles leem as primeiras palavras, que estão seguindo o rumo certo”, avalia Ana Célia. Ela garante que só vai parar de dar aulas quando não restar outro jeito.
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