Umberto Eco fala da escrita ficcional em novo livro, passeando por seus próprios romances
Existe uma palavra na língua portuguesa (derivada do latim) para definir uma das marcas da obra de Umberto Eco: ubíquo, aquilo que está ao mesmo tempo em toda a parte (onipresente surtiria efeito semelhante, não fosse a carga religiosa que lhe emprestou por séculos a teologia cristã). Numa estante variada, que contemple os muitos territórios das ciências sociais e humanidades, Eco encontrará espaço em cada uma das prateleiras.
O escritor Umberto Eco: um romancista tardio FOTO: GIANNI GIANSANTI (SYGMA-CORBIS)
Italiano, natural da região piemontesa, Eco é autor da façanha de ser um intelectual de referência em meia dúzia de áreas, como a estética, a semiologia, a midiologia e a crítica literária. Seus livros contemplam temas tão diversos quanto os ideais de beleza na Idade Média, as histórias em quadrinhos da turma de Charlie Brown e o (suposto) declínio do livro frente à ascensão do digital.
Ele tinha 48 anos e já era uma espécie de celebridade nos meios acadêmicos quando fez sua estreia como romancista. O que se poderia esperar dessa empreitada arriscada, por parte de um autor cuja bibliografia apresenta rigor e inventividade bem acima de média? Qualquer coisa menos "O Nome da Rosa". Lançado em 1980, o livro conquistou um público que ainda não conhecia Umberto Eco: as massas.
O romance transpunha para o contexto medieval as tramas policiais, na tradição do personagem Sherlock Holmes. O protagonista é um monge franciscano, que, com seu jovem assistente, investiga uma série de mortes num mosteiro - que parecem apontar para a profecia do fim do mundo. No livro, Eco combinou sua paixão pela literatura pulp (a prosa da cultura "baixa", publicada em papel ordinário, protagonizada por figuras outsiders) e os debates da estética medieval.
O escritor
A crítica endossou a qualidade daquele romance lido por milhões de leitores. Os produtores de cinema avaliaram-no interessante o bastante para ganhar uma adaptação, em 1986, protagonizada por Sean Connery e Christian Slater. Ter entrado para o dicionário da cultura pop não abalou a credibilidade de Eco, o intelectual, nem a fama reduziu sua produtividade.
Por fim, Eco adicionou mais uma área às suas conquistas. Não é o ficcionista mais assíduo, mas desde "O Nome da Rosa" já publicou outros cinco romances - nenhum tão bem sucedido quanto o primeiro, mas nenhum medíocre como a média dos best-sellers.
Aos 77 anos, em 2009, Eco estreou em outra campo da prosa, mais uma vez se acercando da literatura. São desse ano as palestras que deram origem ao recém-lançado "Confissões de um jovem romancista". Nele, o escritor analisa sua própria obra como ficcionista, à exceção de "O cemitério de Praga", seu romance mais recente, publicado há dois anos - portanto, após a série de palestras proferidas nas Conferências Richard Ellmann sobre Literatura Moderna, na Emory University (EUA). O projeto é semelhante ao que havia feito em 1983, com "Pós-escrito ao ´Nome da Rosa´", quando Eco revisava o projeto que resultou em seu romance best-seller.
Eco, contudo, nunca é um intérprete raso. Seu "Confissões" não desbanca para a prosa confessional. Ao invés disso, o escritor parte de sua própria experiência para refletir sobre o ofício do ficcionista, suas relações com o material que se converte em narrativa, com o texto e com os leitores. É, a um só tempo, um livro para quem deseja conhecer detalhes da produção de romances como "A ilha do dia anterior", "O Pêndulo de Foucault" e "Baudolino", para os estudiosos da narrativa literária e para quem deseja se aventurar pelos bosques da ficção conquistados pelo italiano.
Sátiras e fantasias
As aventuras de Umberto Eco como autor de ficção, no entanto, começam bem antes de "O Nome da Rosa". Em suas "Confissões", ele revela ter começado a escrever romances na infância. "A primeira coisa que inventava era o título, geralmente inspirado nos livros de aventura da época, muito semelhantes aos ´Piratas do Caribe´. Depois eu fazia todas as ilustrações e só então começava a escrever o primeiro capítulo. Mas, como sempre escrevi em letra de forma, imitando os livros impressos, ficava exausto depois de umas poucas páginas e desistia. Cada uma de minhas obras era, assim, uma obra-prima incompleta, como a ´Sinfonia inacabada´ de Schubert", encadeia o escritor, detalhando seu método infrutífero.
Engana-se quem pensa que Eco ficou, a partir daí, longe da literatura. Além de ser um tema recorrente em seus estudos - de certa forma enciclopédicos, tamanhos o raio de cobertura e a riqueza de assuntos abordados -, a ficção em prosa ocupou Eco exatamente quando ele construía sua reputação acadêmica.
Ele tinha apenas 27 anos e um livro publicado - "Il problema estetico in San Tommaso" (1956, inédito no Brasil), sobre a doutrina estética da obra de São Tomás de Aquino (1225 - 1274). Era 1959 quando se preparava para lançar o estudo que lhe daria fama, "Arte e Beleza Na Estética Medieval"; enquanto isso, colaborava com a revista Il Verri. Nela, publicava textos curtos, sátiras que sempre traziam um problema intelectual em seu centro. Os textos seria compilados mais tarde na coletânea "Diário mínimo". Renderam até uma continuação, "Segundo diário mínimo", com sátiras produzidas entre o fim dos anos 80 e começo dos anos 90.
Pulp Fiction
Quando foi lançado, há dois anos, "O cemitério de Praga" empolgou a crítica. Em seu romance mais recente, Umberto Eco voltava às tramas de fundo histórico, acompanhando as desventuras de falsificador, antissemita e gastrônomo amador pelo século XIX. A trama remete aos romances de espionagem. É mais uma declaração de amor do escritor aos gêneros literários considerados menores. Eco já havia feito algo semelhante em seu romance mais famoso, calcado na literatura policial. No romance de sabor memorialista "A misteriosa chama da Rainha Loana", ele recupera suas memórias de infância, entre livros de aventura e histórias em quadrinhos.
LIVRO
Confissões de um jovem romancista
Umberto Eco
Tradução: Marcelo Pen
Cosac Naify
2013, 192 páginas
R$ 48
DELLANO RIOSEDITOR
Diário do Nordeste
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