>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
O mineiro Alan dos Santos Alencar, de 43 anos, responsável pela área de tecnologia de uma revenda da Volvo e professor universitário, teve de promover um ajuste dramático em suas contas para não ficar no vermelho. Depois de analisar em detalhes as despesas com sua mulher, Diane, de 42 anos, e a filha Laura, de 15 anos, ele se deu conta de que os gastos com restaurantes, cinemas e saídas à noite estavam pesados demais. Com uma renda familiar de R$ 8 mil, teve de adotar um remédio amargo, mas inevitável: cortar gastos. As idas semanais a restaurantes foram substituídas por refeições em praças de alimentação de shoppings. O cinema foi trocado por um serviço que oferece filmes e séries de TV pela internet. A viagem de férias da família ao exterior ficou para depois. Agora, Alencar diz que, antes de fazer qualquer compra expressiva, ele e Diane avaliam se o gasto é prioritário – e como impactará as contas e os projetos familiares no longo prazo. Sua filha passou a ter uma mesada de R$ 500 para cobrir suas despesas do dia a dia. “É uma maneira de ela aprender a administrar o próprio dinheiro – e de a gente controlar melhor os gastos”, afirma. “Descobri que ter uma adolescente em casa muda muito as contas de uma família.”
O caso de Alencar não é isolado. Hoje, no Brasil, milhões de famílias da classe médiatradicional, que viviam com uma folga relativa até pouco tempo atrás, têm de fazer as contas e mudar os hábitos para manter o orçamento sob controle. Fazem parte desse contingente os assalariados e os empresários de pequeno e médio porte relativamente bem-sucedidos, com um patrimônio conquistado quase sempre com o próprio esforço, além dos profissionais em ascensão na carreira. Em sua maioria, eles têm diploma universitário, nível cultural elevado e estão acostumados a frequentar restaurantes, bares, cinemas e shows. Sempre que possível, viajam para fora do país com a família ou com os amigos. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a classe média tradicional, também chamada classe A/B, é uma massa formada por 21,5 milhões de pessoas, o equivalente a 11,2% da população brasileira. Embora sua importância econômica esteja diminuindo nos últimos anos, com a ascensão das faixas de menor renda, a classe média tradicional ainda representa cerca de um quarto do consumo nacional, de acordo com a Nielsen, uma empresa de pesquisa e análise de mercado – uma fatia estimada em cerca de R$ 800 bilhões por ano, equivalente a 35 vezes o custo do Bolsa Família para o governo em 2013.
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A classe A/B responde por 86% das matrículas em escolas particulares, 78% das viagens e 74% dos gastos com lazer e cultura do país. “O desenvolvimento nos últimos dez anos não contemplou a classe média tradicional”, diz o economista Waldir Quadros, professor da Universidade de Campinas (Unicamp). Estudioso da classe média brasileira, ele defendeu, no final dos anos 1970, sua tese de mestrado. “A classe média está espremida, nervosa.”
Ao contrário do que ocorre com as faixas de renda mais baixa, o responsável pela alta no custo de vida dessa faixa da população não é a inflação do tomate ou de outros alimentos. A alta dos alimentos afeta todo mundo, mas pesa mais para os mais pobres. O que mexe com o bolso da classe A/B é um fenômeno chamado pelos economistas de “inflação de serviços”. Ela inclui itens como escolas, planos de saúde, empregadas domésticas, restaurantes e viagens, com maior peso no orçamento de quem ganha mais. Essa inflação dos serviços não se reflete plenamente nos principais indicadores de inflação do país. No IPCA, o índice oficial, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os serviços representam apenas 20% do total, embora alcancem 60% ou até 70% dos gastos familiares nas faixas de renda mais alta, segundo Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular – voltado para o estudo do consumo dos emergentes e das faixas de menor poder de compra (classes C, D e E).
Revista Época
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