Os dependentes de crack que forem inscritos no Cartão Recomeço do Governo do Estado de São Paulo vão receber o auxílio de R$ 1.350 mensais por até um semestre. O valor deverá ser repassado diretamente às clínicas de reabilitação conveniadas. Inicialmente, o programa será implantado em parceria com 11 prefeituras, segundo informou nesta quarta-feira (8) a ÉPOCA o secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo, Rodrigo Garcia. O lançamento do cartão está previsto para quinta-feira (9), como noticiou com exclusividade o site de ÉPOCA. “A expectativa é que os primeiros pacientes comecem a ser tratados em 60 dias”, afirma.
Segundo Garcia, a rede municipal de saúde vai determinar que pacientes estão aptos a receber o benefício e encaminhá-los a clínicas de tratamento conveniadas. “Trata-se de um modelo social de recuperação”, diz o secretário. O paciente vai morar nessas clínicas, onde vai participar de atividades laborativas e de fortalecimento de vínculos orientadas por psicólogos e assistentes sociais. “É uma preparação para conseguir voltar pra casa”, afirma. “Quem seleciona (os pacientes), acompanha e monitora (o tratamento) é o município. Quem paga é o Estado.”
“O Cartão Recomeço terá uma função bastante específica e está longe de ser um ‘bolsa crack’”, diz Ronaldo Laranjeira, que faz parte do grupo de psiquiatras que participou da idealização do programa. Iniciativas semelhantes à que será implantanda em São Paulo ganharam, em outros Estados, o apelido de “bolsa crack”, em alusão ao “bolsa-família” – benefício em dinheiro concedido a famílias brasileiras de baixa-renda.
“O dinheiro do auxílio mensal só poderá ser usado, exclusivamente, para o pagamento de serviços prestados por clínicas de reabilitação conveniadas para recuperação dos pacientes. Não é para comprar roupa, alimentos, etc.”, afirma Laranjeira. Existem vários tipos e graus de dependência. Ele diz que nem sempre a internação é adequada para determinado paciente, nem é o tratamento final.” É necessário todo um processo de recuperação, até mesmo pelo fato de as recaídas serem comuns”, afirma. “Esse dinheiro vai tornar possível que as famílias dos viciados proporcionem, sob supervisão médica, o tratamento necessário para seu parente.”
Para Laranjeira, o Cartão Recomeço pode ser entendido como uma estratégia do governo, ainda sem estrutura de clínicas e centros de tratamento próprios suficientes, de oferecer de forma descentralizada auxílio às famílias de dependentes químicos que estiverem dispostos a se tratar. “A dependência química, especialmente quando se trata do crack, é uma doença complexa que precisa de um tratamento complexo.” Segundo Laranjeira, o propósito do programa está em seu nome, Recomeço. A medida deve ampliar a rede de tratamento a dependentes do crack, criando um ambiente que o acompanhe em seu longo processo de recuperação. “O tratamento (de dependentes de crack) é caro, demorado e desgastante para o paciente e sua família”, diz.
Para o psiquiatra José Moura Neves Filho, especialista na gestão de saúde mental e que não esteve envolvido na idealização do programa, R$ 1.350 é um valor baixo para custear o tratamento nas clínicas de reabilitação, de acordo com o que foi divulgado até o momento sobre o programa. “Só a diária em uma clínica mediana de reabilitação costuma girar em torno de R$200. Fora todos os custos, já que é um tratamento demorado e custoso”, diz. “Se o auxílio fosse destinado a outras necessidades, como alimentação e moradia para o período pós-internação para os usuários sem-teto, por exemplo, o cartão seria mais útil.” O secretário Rodrigo Garcia defende que, com o valor do auxílio, é possível, sim, custear esse tipo de tratamento.
Neves diz que o essencial é a criação de uma rede de tratamento mais abrangente, que ampare tanto as necessidades de tratamento médico (internação, assistência laboratorial e acompanhamento durante a recuperação), como as condições para que o dependente se recupere, como comida e um lugar para morar – no caso de viciados que estavam na rua. Ele cita o exemplo de um paciente que, depois do período de internação, recai. “A rede de atendimento deve ser estruturada de tal forma que o viciado consiga atendimento rápido e perto de casa, a cada recaída.”
Os idealizadores do Cartão Recomeço afirmam que o programa deverá incentivar indiretamente a criação de novos centros especializados e a modernização dos já existentes, uma vez que o repasse da verba só poderá ser usado em instituições credenciadas.
Todos os detalhes do programa ainda não foram divulgados. Muitas perguntas devem ser respondidas na quinta-feira (8), no anúncio oficial do Governo de São Paulo. A eficácia do Cartão Recomeço, porém, só será conhecida no longo prazo.
Revista Época
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