Fortaleza é a capital nordestina com o maior percentual (3,8%) de estudantes do nono ano do Ensino Fundamental que experimentaram crack dez vezes ou mais. É o que aponta a segunda edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2012, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada ontem.
O primeiro contato com as drogas se dá por curiosidade ou fuga de contextos familiares e sociais conturbados, de acordo com o presidente da Cufa. A difícil conjuntura social em que vivem muitos adolescentes propicia isso Foto: Wellington MAcedo
O levantamento aponta, ainda, que a Capital cearense está em primeiro lugar no Nordeste também entre os estudantes do nono ano que utilizaram a droga pelo menos uma ou duas vezes, com o total de 3,1% dos entrevistados. Já entre os estudantes que usaram o crack de três a nove vezes, Fortaleza aparece na terceira posição do ranking nordestino, com 1,2%, perdendo apenas para Salvador (BA), com 1,3% e Recife (PE), com 2,0%.
O levantamento ouviu mais de 100 mil adolescentes em 2.842 escolas públicas e particulares de todo o País. Os resultados gerais apontam que, em 2012, cerca de 15 mil estudantes do nono ano fumaram crack. Dentre todos os entrevistados que afirmaram ter consumido drogas ilícitas, 6,4% haviam consumido crack alguma vez nos últimos 30 dias. De acordo com o estudo, 45,5% dos alunos nesse ano escolar estão na faixa etária de 14 anos.
Segundo Joaquim Medo, presidente da Associação Brasileira do Estudo do Álcool e outras Drogas (Abead), a complexa e difícil conjuntura social em que vivem muitos adolescentes, aliada à facilidade de acesso a substâncias tóxicas ilícitas, como crack e maconha, por exemplo, tem propiciado o contato com as drogas cada vez mais cedo.
“O ambiente em que vivem, muitas vezes cheios de problemas familiares, tem bastante influência no consumo. Mas também existe uma maior permissividade. Há um acesso fácil entre os colegas, que compram e vendem nos locais onde moram e próximo às escolas”, explica.
Primeiro contato
Preto Zezé, presidente nacional da Central Única de Favelas (Cufa), destaca que, além da fuga de um contexto social e familiar conturbado, o primeiro contato de adolescentes com substâncias ilícitas se dá, muitas vezes, pela curiosidade que possuem sobre os efeitos da droga. Por esse motivo, conforme ele, o crack costuma ser eleito para o uso inicial. “Muitos utilizam para sentir o prazer que a droga traz. O crack tem uma capacidade grande de gerar bem estar e sua forma de uso facilita um efeito mais forte”, ressalta.
Para o presidente da Cufa, impedir que o público adolescente seja atraído ao universo dos entorpecentes exige diálogo diferenciado e sincero, que precisa acontecer no âmbito escolar. Entretanto, na visão de Preto Zezé, as instituições de ensino não estão preparadas para esta tarefa. “Para enfrentar isso, ela vai ter que reinventar, agregar outros valores e parceiros. Além disso, sem a participação da sociedade, nada vai acontecer. É uma responsabilidade coletiva”, diz.
Prejuízos
A utilização de drogas em idades tão precoces pode gerar, ainda, consequências negativas para o adolescente. Segundo Joaquim Melo, da Abead, o consumo de crack, maconha e outras substâncias pode afetar de maneira agressiva o desenvolvimento cognitivo e outras funções corporais de garotos e garotas. “O cérebro deles ainda está se desenvolvendo. A droga pode, então, inibir o crescimento, levar a uma intoxicação, a doenças cognitivas, depressão e problemas comportamentais”, pontua Melo.
Aqueles que se tornam dependentes, destaca, também, o presidente da Abead, possuem maior tendência a abandonar os estudos, sair da escola e entrar para a criminalidade como um meio de obter recursos para alimentar o vício. “Eles irão virar ‘aviões’, ou seja, fazer entrega da droga na casa dos usuários e vender para os colegas no intuito de ter dinheiro e comprar a sua parcela”, ressalta.
Preto Zezé lembra que a situação é mais grave nas periferias, onde, por conta da alta vulnerabilidade social da população, existe maior facilidade para que o tráfico se dissemine. “As periferias são as áreas mais frágeis. Por todos os significados da droga, é lá que ela tem mais espaço para se proliferar. Seu mercado também favorece muita gente, desde a corrupção policial até a geração de renda”, afirma.
O presidente da Cufa avalia as políticas públicas para o enfrentamento às drogas como “tímidas”. Segundo ele, ainda não se percebem ações interligadas e efetivas não somente para cuidar, mas também para prevenir. O trabalho feito, hoje, é, muitas vezes, individual, quando deveria ser de responsabilidade do poder público, explica Zezé. “As políticas ainda estão restritas aos discursos e intenções, mas na prática o quadro revela ausência total de uma abordagem mais articulada e de peso”, diz.
Vanessa MadeiraEspecial para Cidade
Diário do Nordeste
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