20/06/2013

Um alerta contra o autoritarismo



REVOLTA Manifestante  em Istambul empunha bandeira turca com a face de Kemal Atatürk. Em defesa de um regime laico (Foto: Stoyan Nenov/Reuters)
Istambul é uma cidade dividida. Sempre foi. Cortada ao meio pelo Estreito de Bósforo, a maior cidade turca é mezzo oriental e mezzo ocidental – metade da cidade está na Europa, metade naÁsia. Seus moradores agora seguem a geografia. Estão divididos, como toda a Turquia, entre o apoio e o desprezo ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan. Desde o último dia 31, a Praça Taksim, fincada no lado europeu, é o epicentro de uma revolta contra o governo turco. Nesse ponto turístico, repleto de monumentos ao fundador da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), os ressentidos com os rumos do país reproduzem cenas vistas em outras partes doOriente Médio nos últimos dois anos. Confrontos com a polícia, exibição da bandeira nacional, gritos de ordem contra o que consideram um governo autoritário. A poucas semanas do verão, a Turquia parece ter lançado sua Primavera.

Tudo começou por um motivo, à primeira vista, prosaico. Manifestantes ocuparam o Parque Gezi (passeio, em turco), uma das poucas áreas arborizadas da cidade. Os presentes tentavam impedir que boa parte das 663 árvores do parque fosse derrubada para dar lugar a tradicionais símbolos de crescimento econômico: um shopping center e um conjunto de prédios de alto padrão. Na sexta-feira, dia 31, a polícia chegou, decidida a pôr fim à ocupação. A tropa de choque invadiu o parque e a Praça Taksim, separados por uma rua, usando gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Os manifestantes responderam com pedras, coquetéis molotov e barricadas. Centenas de pessoas foram presas. Em vez de dispersar os manifestantes, a ação policial atraiu outros milhares. Em poucos dias, o protesto espalhou-se por outras cidades, como a capital, Ancara. Todos pediam a renúncia de Erdogan e chamavam de fascista o governo do seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de tendência islâmico-fundamentalista.

A população da Turquia divide-se em dois blocos: os laicos e liberais (defensores da doutrina de Kemal Atatürk e do secularismo) e os religiosos (apoiadores de Erdogan). “Há algum tempo, os setores seculares urbanos estão revoltados com sinais de autoritarismo de Erdogan”, afirma Halil Karaveli, diretor do Centro de Estudos da Turquia da Universidade Johns Hopkins, em Washington. “Existe uma histórica tensão entre setores seculares do país e os islamistas. O problema agora é o autoritarismo.” Pior para Erdogan. Até há pouco tempo, o governo do AKP era considerado mundo afora um exemplo dentro do Oriente Médio. Em 2001, após décadas de instabilidade e golpes militares, o AKP chegou ao poder com uma proposta moderada, de respeito à democracia, em que o islamismo era mantido no âmbito privado. As Forças Armadas, que tantas vezes já usurparam a democracia na história moderna turca, aceitaram, pela primeira vez, a ascensão de uma força política de origem religiosa. Deu certo – até que parou de funcionar.

Inebriado por seu poder eleitoral, após três vitórias seguidas nas urnas, Erdogan avançou o sinal. Há meses, ele tenta aprovar uma reforma da Constituição para dar mais poderes à Presidência, que pretende ocupar em 2014. Nos últimos dois anos, prendeu militares e reprimiu a imprensa – mais de 100 jornalistas estão presos na Turquia, o maior número no mundo. Ele também avançou sobre o caráter laico da república turca. Há quase um mês, aprovou uma lei que proíbe a propaganda e a venda de bebidas alcoólicas à noite. Ainda insinuou que os fundadores da república eram “bêbados”. O presidente Abdullah Gul apareceu com dezenas de panos quentes nas mãos. Conversou com Erdogan e obteve o recuo da polícia, deixando a Praça Taksim para os manifestantes. O governo também prometeu investigar as denúncias de abusos policiais. Dois manifestantes morreram.
Os protestos são uma mensagem clara a Erdogan. “Não se trata de uma revolta, mas de um aviso”, afirma Ahmet Cigdem, professor de ciência política na Universidade de Ancara. “Eles estão dizendo: ‘Não imponha sua cultura sobre as nossas vidas e não pense que você pode tudo só porque teve 50% dos votos na eleição’.” Erdogan ainda está longe do martírio sofrido pelo vizinho sírio Bashar al-Assad. Se for sábio, saberá dar ouvidos à voz das ruas.

Turquia (Foto: ÉPOCA)
Revista Época

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