Francicleide Souza, líder comunitária em Metrô Mangueira, uma das áreas atingidas pelas remoções
Um documentário de 26 minutos aposta na internet para lançar luz a uma das circunstâncias menos contempladas de exposição no ciclo de Mundial e Olimpíada no Brasil. "A Caminho da Copa" expõe o autoritarismo do poder público no processo de remoção de famílias para viabilizar grandes obras, presentes no contexto destes eventos esportivos.
Assinado pelas diretoras Florence Rodrigues e Carolina Caffé, o documentário apresenta opiniões a respeito dos impactos na preparação destes megaeventos no cotidiano de grandes cidades brasileiras. Entre os tópicos aparecem denúncias de práticas irregulares nas desapropriações, em atos que ferem a lei e resvalam em debate sobre direitos humanos.
No trabalho estão contidos relatos de histórias de pessoas cujas vidas foram deslocadas até 70 km após a desapropriação de suas casas – pela lei, esta distância precisa ser de até 7 km, para se preservar ao máximo a rede de relações da família atingida.
A lei ainda prevê que, em caso de remoção, a família deve receber uma casa em igual condições ou melhores, em relação à anterior, contando com a conjuntura social em torno da residência (ofertas de saúde, educação, direito de trabalho). No entanto, o documentário ouviu reclamações de ressarcimentos em valor inferior.
"As remoções oferecem mais um elemento de padrão autoritário. Porque o governo não faz nem valer a lei, nem oferece garantias ao cidadão, com remoções de forma muito bruta, truculenta. Sem dúvida caracteriza um Estado autoritário", afirma Florence Rodrigues,uma das diretoras do filme, disponível em duas versões no YouTube e no Vimeo.
A obra ainda ressalta o caráter autoritário deste processo, ilustrado no documentário por cenas turbulentas de remoções, com direito a tiros de borracha da polícia e denúncias de violência. Alguns dos analistas ouvidos no projeto usam argumentos graves para abordar o tema.
Para Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, as práticas governamentais têm sugerido "limpeza social e étnica". O acadêmico cita que o número de pessoas removidas no Rio pode alcançar até 80 mil. Em maio passado, o Comitê Popular da Copa, entidade da sociedade civil, apresentou levantamento que estima esse número em 8.350 famílias atingidas.
Por sua vez, o jornalista Juca Kfouri declara ao projeto que os métodos de desapropriações para Copa e Olimpíada "lembram práticas nazistas, de casas que são marcadas em um dia para serem demolidas no dia seguinte".
No filme são ouvidas famílias de comunidades como Metrô Mangueira, no Rio, e Vila Progresso, em São Paulo, entre outras. Estes personagens envolvidos no contexto das remoções falam, inclusive, em coação para assinatura do laudo que permite o governo ocupar o espaço.
COMUNIDADES QUE APARECEM NO DOCUMENTÁRIO
METRÔ MANGUEIRA (RJ)
- espaço para construção de um estacionamento e centro comercial
- comunidade de 34 anos
- 667 famílias removidas até Cosmos, a 70 km de distância
- outras famílias conseguiram se realocar na região, em situação de melhor estrutura
VILA HARMONIA (RJ)
- espaço para passagem de um corredor de ônibus (Transoeste)
- 120 famílias removidas
- cerca de 100 famílias foram levadas a Campo Grande, no conjunto "Minha Casa, Minha Vida", a 40 km
- outras famílias que não quiseram ir receberam indenização de R$ 8 mil
VILA TABOINHA (RJ)
- 400 famílias conseguiram direito de permanência, com reintegração de posse
- região foi valorizada por ser sede de apoio da Olimpíada
VILA PROGRESSO (SP)
- espaço para ampliação da Avenida Radial Leste
- 27 famílias removidas, com direito a bolsa auxílio
- outras 100 famílias da comunidade estão ameaçadas
A produção do documentário procurou o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), responsável pela formulação da Lei Geral da Copa, para repercutir o processo de remoção no Rio de Janeiro e em São Paulo. No filme, o parlamentar diminui a questão, afirmando que "ouviu uma gritaria durante uma reunião da Lei Geral da Copa, mas nada de concreto".
As remoções de famílias para obras da Copa e da Olimpíada são de responsabilidade de governo estaduais e municipais, dependendo do caso, mas, na teoria, sempre com supervisão do governo federal. No corredor do BRT (Bus Rapid Transit) do Rio, cabe ao município o processo de desapropriações. Por sua vez, na duplicação da Avenida Radial Leste perto do Itaquerão, em São Paulo, o trabalho une prefeitura e estado.
"A Caminho da Copa" contou com um orçamento baixo, obtido através de um edital público. Para os flagras de remoção de famílias no Rio de Janeiro, por exemplo, o projeto teve apoio da ONG "A Nova Democracia".
Apresentado inicialmente durante a conferência internacional de sustentabilidade Rio+20, no último ano, o documentário foi recentemente finalizado e tem batalhado por repercussão online. O trabalho está disponível na internet, através do YouTube, em versão completa (26 minutos) e em outra, reduzida (6 minutos).
VEJA A VERSÃO COMPLETA DO DOCUMENTÁRIO:
http://www.youtube.com/watch?v=nFcA2PKIcfQ&feature=player_embedded
Bruno Freitas
Do UOL, em São Paulo
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