Ao sair do consultório disparava dentro de si um sentimento destruidor: revolta! Só revolta.
De repente, quem conhecia o simpático Manuel falava do seu «virar de casaca» e viravam-lhe a cara. Era como se ele não tivesse uma história anterior e a sua vida tivesse começado ali, agora, num filme de mal-querer. Manuel ficou só. Muito só naquela vontade de destruir a si mesmo e a tudo o que o rodeava: se destruísse a alegria que voava à sua volta, talvez não notasse o tamanho da sua infelicidade.
No hospital ofendia os doentes e os profissionais. Tornou-se até perigoso. A expulsão era uma possibilidade.
– Como evitar isto? – perguntava-se a doutora Helena. Apesar de não escapar à agressividade de Manuel, sabia que era a única em que ele confiava. Decidiu chamá-lo e propôs-lhe uma alternativa que aliviaria a todos:
– Senhor Manuel, parece-me que vir ao hospital é muito difícil para si. Quer ser consultado na clínica onde eu trabalho? Penso que lá seria mais confortável.
Resmungando, Manuel aceitou.
Contudo, logo no primeiro dia foi tão ofensivo que a médica teve vontade de desistir. Não conseguia ajudá-lo. E porque haveria de ajudá-lo se ele próprio recusava ajuda e desistira de viver?
As queixas na clínica eram constantes e Helena era culpabilizada pelos colegas por ter trazido Manuel para a clínica. Cheia de dúvidas, mas recusando-se a desistir, falou mais uma vez com ele:
– Senhor Manuel, se quer destruir os anos que pode viver feliz apesar da sua doença, não o posso impedir. Eu não sei ajudá-lo a resolver o medo que poderá estar a sentir, mas conheço quem sabe.
– Cale-se, sua convencida! Não sabe nada de mim!
– Tem razão. Há muito que se disfarça nessa armadura violenta. Mas você contou-me a sua história. Sei que é um homem admirável. Você não é o vírus da sua doença. É o Manuel! Pode decidir quem comanda a sua vida: você, ou um vírus.
Pela primeira vez desde o diagnóstico, Manuel não foi ofensivo. Ficou em silêncio. E depois, chorou – e esse choro resgatou o Manuel de sempre, aquele de quando não sentia revolta e medo da morte e da dor.
Helena não se mexeu. Do outro lado da secretária, chorou também. Estendeu o braço e aconchegou a mão caída de Manuel. Deixou-se em silêncio, no respeito pelo homem dorido. A sua presença era o único consolo que ela sabia dar naquele momento. Por isso, aquele momento durou todo o tempo que Manuel precisou.
Fátima Missionária
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