Gilmar P. da Silva SJ*
Brega está relacionado ao que é de mau gosto, que não tem refinamento ou é de qualidade inferior. Está em oposição ao chique. Um sinônimo seria o “kitsch”, termo de origem alemã que designa uma série de produções que se pautam em referências estéticas já consagradas mas que não alcançam as mesmas qualidades. Daí também ser considerado vulgar ou de mau gosto. Acho que é isso: o brega tem a pretensão do chique, sem atingir o ideal clássico de beleza, que tinha como referência o harmônico, o simétrico, a perfeição das formas, além de sua ligação com os conceitos de unidade, bondade e verdade.
Com frequência o brega tem algo de tosco que revela a imperfeição e limites humanos. Não só. O brega é também popular, algo que perde a sua aura de beleza inatingível e passa a estar próximo de cada um. É o que acontece com a Gioconda de Da Vinci, que já se encontra em chaveiros, canecas, canetas, camisas e kits de pintura para que você possa fazer a sua própria em casa. A sacralidade da obra de arte se perde com sua reprodutibilidade técnica e ela passa a ser algo nosso, menos divino. Contudo, é disso que as pessoas têm vergonha, da humanidade. Algo como Adão no Paraíso que se cobre por perceber que está nu, tem vergonha de sua natureza que é pó, que é matéria. Bom é o singular, o exclusivo, aquilo que se destina a poucos eleitos. Não é esse o medo de algumas marcas famosas, de caírem – note bem o uso desse verbo – no uso popular? É preciso dar ao eleito/elite o gosto de olhar para o populacho e dizer: “Eu tenho e você não tem”.
Gosto do brega porque ele é a dessacralização dos mitos, a apropriação popular dos valores, que lhe são impostos, de uma maneira, digamos, fagocitante. Já vejo algumas pessoas que pararam de usar Lacoste porque esta se tornou acessível as camadas populares (seja no produto genérico ou no original parcelado em algumas vezes no cartão). E porque pararam? Porque agora é mainstream. Se as grifes constituíam o fogo dos deuses, os homens o tomaram e também se tornaram divinos, fazendo aquilo que queriam com o mesmo fogo. O pequeno jacaré passa a estampar gigante uma camisa, um skate ou qualquer produto que os seus criadores jamais imaginavam e imaginam. Trata-se de uma assimilação que foge aos controles, não foi programada para ser dessa maneira.
Por isso Natal é brega. Aquelas renas nos shoppings; a neve artificial; os atores vestidos de veludo, representando o frio do inverno nas baixas latitudes do hemisfério norte; os pinheiros de plástico etc. Tudo no Natal é brega. Sempre fomos europeizados, desde nossa escola e etiqueta com tiques franceses às referências industriais de Manchester. E o que fizemos? Apropriamos de tudo isso e demos um brazucada. A ajudante de Papai Noel, ainda que com veludo, tem um decote ou saia curta; enchemos tudo com muito brilho e pisca-pisca para que se tenha mais luxo; lotamos tudo com muita informação porque gostamos do excesso; também gostamos do dourado, porque dá ideia de riqueza. É o nosso jeito. Barroquizamos o Natal enchendo-o de nossa vida, lógica e estética – que o diga nossa ceia natalina e carnavalesca de glutonaria!
Se o nosso Natal é brega é porque é mais humano, cheio de finitude, paixão, afeto; cheio de nossa vida. Simone cantando “Então é Natal” é brega, mas não menos que o John Lennon cantando “Happy Christmas”. Essa humanidade de que se invade o Natal, e da qual os puristas reclamam tanto, talvez sejam a grande expressão do seu sentido mais autêntico. Afinal de contas, não se trata do evento no qual o divino se humaniza? Pois bem, se é assim, porque algumas divindades reclamam tanto de participar do amigo-oculto (ou amigo-secreto) naquela pizzaria ou churrascaria à rodizio no jantar de confraternização da firma ou da faculdade? E não tenha vergonha de chorar ouvindo Jorge e Mateus ou mesmo de ver o especial do Roberto Carlos, tão bregas quanto André Rieu.
Yves Saint-Laurent
Por falar em brega ou chique, recomento o filme Saint-Laurent. A história fala da genialidade estética do fundador de uma das maiores Maisons da história. Em sua grandeza, Yves promoveu revoluções sociais, mostrando que o chique não é o que está necessariamente longe: popularizou o Prêt-a-porter, que possuía preços mais acessíveis que a alta costura; criou o smoking feminino, permitindo às mulheres trabalharem de calça, e foi o primeiro a utilizar modelos negras, valorizando outros tipos de belezas. O filme narra sua ascensão e ruptura com a Dior, sua relação com Pierre Bergè, suas crises e sua importância no cenário cultural. Foi indicado pela França a melhor filme estrangeiro para o Oscar 2015.
*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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