21/06/2013

O belo voo da liberdade

NOVA PERSPECTIVA Ao amanhecer, um balão com turistas desliza sobre a planície de Bagan. Mais de 3 mil santuários budistas espalham-se pela região (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)Encapsulada entre TailândiaChina e Índia, a antiga Birmânia ficou isolada do mundo por meio século, enquanto uma Junta Militar governou o país, de 1962 até 2011. Poucas notícias borbulhavam para fora da nação. Em agosto de 2007, várias passea­tas levaram dezenas de milhares de monges às ruas pedindo liberdade. O movimento ficou conhecido como Revolução Açafrão, em alusão à cor das vestes dos monges. Milhares de religiosos foram presos, dezenas morreram. Em 2008, conheci Bagan, cidade birmanesa situada numa planície com mais de 3 mil templos construídos entre os séculos XI e XIII. Um paraíso sob jugo militar.

Passados mais de cinco anos, regresso ao país, que passou a se chamar Mianmar em 1988, por uma decisão dos militares. Os birmaneses não têm mais medo dos estrangeiros. “Os tempos mudaram”, diz um vendedor ambulante no centro de Yangon, a maior cidade do país. Ele vende livremente uma cópia pirateada em DVD do filme The lady (A dama), de 2011. A obra, do diretor francês Luc Besson, conta de forma crua a história da ativista política Aung San Suu Kyi, de 67 anos. Ela passou 15 anos em prisão domiciliar, inicialmente por ter ajudado a criar um partido de oposição. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991, honraria que não pôde receber pessoalmente, por estar confinada.

Mapa Mianmar (Foto: ÉPOCA)
Os militares deixaram o poder há dois anos. Isolados por sanções econômicas internacionais, os generais buscaram o apoio de outra ditadura, a China. Sob o argumento de que o Ocidente não deveria interferir em assuntos domésticos, o governo de Pequim passou a proteger o de Mianmar. O isolamento recrudesceu, a ponto de a fragilidade econômica deixar a ditadura em situação insustentável. O fim da prisão domiciliar de Suu Kyi, em novembro de 2010, foi o primeiro sinal de mudança. Em março de 2011, o general reformado Thein Sein foi empossado como presidente, com um discurso mais flexível. OsEstados Unidos passaram a flertar com o governo birmanês. O cortejo culminou, em dezembro de 2011, com a visita da secretária de Estado, Hillary Clinton, a primeira de um alto dirigente americano desde 1955. Hillary discutiu com Sein um menu de concessões – incluindo o final das sanções econômicas – caso o país continuasse a caminhar em direção à liberdade. Em novembro de 2012, Hillary e o presidente Barack Obama estiveram por seis horas em Yangon, tempo para um encontro com Sein, uma visita a Suu Kyi e um discurso em que Obama reconheceu os esforços de redemocratização do governo. Nos últimos meses, Sein liberou prisioneiros políticos (não todos), abrandou a censura à imprensa e afastou generais da linha dura.

Nesta segunda vez em Bagan, sinto os ares da liberdade. Sete balões oferecem uma visão espetacular para as 80 pessoas que podem desembolsar US$ 320 (R$ 640). Lá do alto, em silêncio, admiro a beleza. O conjunto de templos está no mesmo nível de Machu Picchu, Chichen Itzá, as pirâmides do Egito, Taj Mahal, Angkor Wat e a Grande Muralha. Fechado ao turismo durante décadas de ditadura, o Lago Inle, 400 quilômetros ao norte de Yangon, é outro dos recantos fotogênicos do país, cenário de costumes singulares. O mais inusitado: os homens da etnia intha usam suas pernas, e não as mãos, para remar. O longo remo de 2 metros se encaixa entre a dobra do joelho e o dorso do pé. O movimento circular do fêmur define a direção.

Os pescadores inthas também se dedicam a recolher algas do fundo do lago. Com longos pedaços de bambu, trazem à tona pesadas porções. Elas servirão para criar ilhas flutuantes retangulares, de 1 metro de largura por 10 a 15 metros de comprimento. Ao final de oito meses, as ilhotas estarão prontas para servir como canteiros flutuantes, onde os inthas plantarão alho, gengibre, flores, verduras e, principalmente, tomates. “Mianmar manteve-se como um segredo por décadas”, afirma Win Oo Tan, gerente de um hotel. A ativista Suu Kyi desaprovava o turismo até 2010, pois as divisas iam diretamente para os cofres da Junta Militar. Mas o país mudou e, para a sorte do resto do mundo, agora todos somos bem-vindos em Mianmar. 

ROTINA PECULIAR 1. Duas vendedoras no mercado de Mandalay oferecem cocos folheados a ouro, que servirão como oferendas numa festa religiosa budista 2. À noite, alguns santuários de Bagan são iluminados por velas e pelas estrelas 3. Uma canoa com 64 remado (Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA)

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