IBGE: 16,2 milhões de brasileiros nas condições de extrema pobreza e miseráveis (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
A questão em torno do combate à pobreza (absoluta e extrema) e à miséria sempre envolveu opiniões conflitantes e, não raro, esse debate é sempre candente, isso sem mencionar os critérios estabelecidos para a mensuração dessas duas ignomínias que marcam o mundo contemporâneo.
Estão na pobreza absoluta aqueles cujo rendimento médio domiciliar per capita é de até meio salário mínimo mensal. Na pobreza extrema estão aqueles cujo rendimento médio domiciliar per capita e de até um quarto de salário mínimo mensal.
Pelos critérios do Banco Mundial, extrema pobreza é aquela pessoa que obtém, em valores expressos em reais, renda per capita de até R$ 70/ mês. Na condição de miseráveis se enquadram as pessoas vivendo com menos de U$ 1,25 por dia.
Pelo Censo de 2010, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulga que nas condições de extrema pobreza e miseráveis há 16,2 milhões de brasileiros (8,5% da população para pouco mais de 190 milhões de habitantes). Desses, 4,8 milhões não possuem nenhuma renda, e 11,4 milhões ganham até R$ 70 mencionados acima. Dos números que “compõem” o perfil da pobreza brasileira, 9,6 milhões de pessoas estão no Nordeste, enquanto 2,7 milhões estão no Sudeste. A região Norte do País conta com 2,65 milhões de brasileiros. No Sul são 716 mil pessoas e, finalmente, 557 mil pobres se localizam no Centro-Oeste.
Excetuando esse debate em torno dos critérios metodológicos, é oportuno destacar o posicionamento do prof. Jeffrey Sachs, Diretor do Earth Institute - Columbia University - e Conselheiro do ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para as questões do Desenvolvimento, sobre esse assunto.
Em “The End of Poverty”, Sachs comenta que em sociedades de baixíssima renda per capita, os estudos mostram que o consumo devora praticamente tudo o que se produz. O que sobra para sustentar os serviços básicos do Estado é quase nada. Logo, não sobra nada para novos investimentos (públicos) e para a formação de capital fixo. Como, então, a capacidade produtiva não se expande (pois o governo não dispõe de recursos financeiros para isso) nem para acompanhar o ritmo de crescimento da população, a produção e a poupança não aumentam, fechando-se, assim, uma espécie de “armadilha” que se repete de forma continuamente.
A questão da pobreza, em alguns países, envolve tantos aspectos que é oportuno trazer à tona esse debate. De acordo com Sachs, pelo menos oito tipos diferentes de problemas estruturais podem causar a estagnação ou o declínio de uma economia, contribuindo para a expansão dos índices de pobreza e miséria. Vejamos pormenorizadamente esses problemas:
1. A armadilha da pobreza
Quando a pobreza é extrema, os pobres não têm a capacidade para combater esse cenário por eles próprios, na medida em que falta praticamente tudo: estradas pavimentadas, energia, canais de irrigação, capital humano com efetiva capacidade de produção (saudável, nutrido e letrado), bem como capital natural em condições de ser explorado. Quando uma comunidade se encontra destituída destes fatores, é difícil sobreviver, mas, sobretudo, produzir e crescer economicamente, uma tarefa que sem ajuda externa é praticamente inatingível. Os mais pobres dos pobres não têm capacidade de poupança e, desta maneira, acumular capital que os permita saltar para outro estado de desenvolvimento.
2. Geografia
Alguns dos países mais pobres, entre eles, a Bolívia, o Quirguistão ou o Tibete não possuem recursos naturais, bons solos, pluviosidade, rios navegáveis e acesso ao mar. Muitos destes países têm um solo demasiado acentuado ou árido que não beneficia nem a agricultura nem a construção de vias de comunicação e não têm acesso a rios navegáveis nem ao mar, sendo penalizados com custos de transportes elevados. Por outro lado, nos trópicos o clima favorece doenças como a malária (um dos principais fatores que contribui para o subdesenvolvimento na África subsaariana) ou a febre de dengue. Contudo, estas condições não são fatais para o desenvolvimento econômico de um país, são precisos sim, investimentos extras que os próprios Estados sozinhos não conseguem fazer.
3. Sistema Fiscal
Muitas vezes, para além da atividade privada inexistente, também o Estado não possui capacidade financeira para apostar no investimento e na criação de infraestruturas: é impossível taxar uma população já de si empobrecida, o próprio Estado é corrupto ou incapaz ou, então, o peso da dívida externa é tão grande que é impossível investir internamente ao mesmo tempo, perpetuando-se o clima de pobreza.
4. Falhas de Governo
Para que ocorra desenvolvimento econômico, na acepção do termo, o Estado e as suas instituições têm de estar igualmente orientados para isso. É necessário identificar e financiar os projetos prioritários, criar condições propícias ao investimento, manter a credibilidade do sistema judicial e assegurar um clima de paz e segurança que estimule a confiança no futuro. Quando um Estado é incapaz de funcionar nestes termos é designado de “Estado falho”, caracterizado por guerras, golpes de Estado e anarquia e onde, obviamente, também a economia e o desenvolvimento não prosperam.
5. Barreiras Culturais
Normas culturais ou religiosas são obstáculos ao desenvolvimento. Se estas normas, por exemplo, dificultam o desempenho ativo das mulheres, não lhes reconhecendo direitos e educação e recusando-lhes poder econômico, metade da população fica automaticamente de fora do processo de desenvolvimento que, somado aos idosos e às crianças, reduz drasticamente o capital humano em condições de produzir.
6. Geopolítica
A imposição de barreiras ao comércio ou sanções econômicas a um determinado país reduz a sua capacidade de crescimento econômico, sendo que os principais prejudicados são as populações.
7. Falta de Inovação
Nos dois últimos séculos, o fosso tecnológico entre ricos e pobres agravou-se enormemente. Nos países ricos, a reação é em cadeia: um grande mercado que incentiva à inovação, cria novas tecnologias, gera produtividade e expande o tamanho do mercado que volta a exigir mais inovação e tecnologia. Neste aspecto, a China e a Índia vão-se consolidando, não só através dos seus próprios “cérebros”, mas também através de investidores estrangeiros que trazem até eles novas tecnologias.
8. Demografia
Se nos países mais avançados se assiste a um decréscimo dos índices de natalidade, nos países mais pobres este índice aumenta. Para além de uma clara falta de planejamento familiar e de saúde reprodutiva, os elevados índices de natalidade empurram estes países para uma maior pobreza: as famílias não conseguem oferecer a todos os seus filhos cuidados de saúde básica, nutrição nem educação. Tal como o índice de natalidade é elevado também é o de mortalidade.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em Osasco/SP. Autor dos livros 'Conversando sobre Economia' (Editora Alínea), 'Pensando como um economista' (Editora EbookBrasil) e 'Humanizando a Economia' (Editora EbookBrasil – livro eletrônico). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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